todas as cores perderam o brilho

03:28


A sobreviver àqueles dias de cansaço, estou no café do habitual: o mesmo que me faria suspirar todos os fins de dia.
O café cujas paredes me viram crescer.
A janela, feita de vidro pintado, cintila. Na sua base, um largo encaixe sustenta os contornos de chumbo de flores e videiras, e em cima o espesso vidro laminado torneia e bisela por forma a apanhar e reter a luz, faz girar primas nos losangos de vidro e devolve arco-íris refletidos na parede. E é por isto que eu  nunca abandono as memórias que cada raio de sol suportara. A luz colorida que habita o salão, a maneira como aquece as pessoas que aqui se sentam, como lhes tinge as faces de belos matizes, de rosa pálido e violeta e amarelo e azul.
Todos parecem bonitos aqui, as pessoas passam e param para admirar tamanha tentação, sentem-se tentadas a ficar e a comer os incríveis e elaboradíssimos bolos que Maria sempre fizera com tanta dedicação, enquanto a luz se mantivesse, o calor do açúcar e do fermento a crescer.

Sinto-o descer-me pela garganta, tão quente aquecendo cada parte do meu corpo sem um único movimento. Todas as palavras que nunca soltei com o café por entre mil e um pensamentos.
O meu olhar permanece inerte profundo para o horizonte cruza-se com um outro olhar igualmente intenso. Um olhar fulminante, angelical.
Sentia uma presença dona de si mesma, uma presença confiante, tão pessoal e tão simples. Um olhar que, depois desse contacto, não mais me renunciou.
Não conseguia deixar de admirar a forma como fitas os teus próprios cabelos, arrumando-os para o seu sítio devido, a forma encantadora como pegavas na chávena de porcelana: os teus longos dedos penetravam e moldavam-se na pega como se tivesse sido feita especialmente para ti.
Um brilho no olhar irradiante.
Um inoportuno ruído, um chamamento, o seu telemóvel interrompem todos os meus pensamentos.
E, no mesmo instante, já não te vejo ali, em frente à vasta montra de vidros multicoloridos, apenas o rasto da tua magnificiência física, do espectro que transmitias.


O café já não tem o mesmo sabor, nem o salão as mesmas cores, mas a esperança de que um dia entrarás de rompante permanece imortal.


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