Recorda-me eternamente

11:22

                                     Hoje tenciono deixar-te um pequeno grande bilhete no lugar mais seguro do mundo, no coração da tua alma, sei que tu o irás ouvir com todo o amor…
“Até que a morte nos separe”, mas eu nunca pensei que esse dia chegasse… Contudo digo-me a mim própria “não, não a temas, olha esta data de frente, coloca-lhe cor como se ela fosse uma tela embebida por camadas de relevo, toca-lhe timidamente como se fosse a pele suavemente desejada, beija-a como se fosse o imperfeito rosto apaixonado, cheira-a como se fosse o vento primaveril que faz voar a nossa alma por entre as ervas, e suporta-a, suporta-a sobre as costas… Amanhã tomas um banho quente e a dor foge em gritos mudos!”, e no final foge-se-me uma lágrima pelo canto do olho.
                                     Bem… Lembras-te quando eu agarrava a tua mão e fazia-te correr comigo até ao infinito traçando fronteiras, quebrando lágrimas, ouvindo gargalhadas, fazendo tremer o chão, parando carros fazendo com que eu e tu fossemos um só?
Certamente que te lembras…
Sim, queria entrar outra vez naqueles dias em que lá o puro era real. Eu era uma criança e tu, bem, tu eras alguém que positivamente nunca consegui definir, e para mim, ao longo do tempo assim sempre o seria, e aprenderia a dar valor a isso consoante o meu crescimento, mas, o tempo fez com que tudo se apressasse e eu desse o valor quando menos esperava.
Hoje quando olho em meu redor, é proclamada a diferença pelos meus olhos arregalados, sinto saudades, saudades daquilo que nunca pude ter realmente, ninguém tem culpa, eu sei, talvez tenha eu por estar a ser um pouco estranha, mas pelo menos não te escondo que preciso de ti, preciso de ti e pronto.
Sorrio perante tal diferença que os meus olhos tendem a ver, porque dessa diferença revejo uma felicidade incondicional, uma felicidade que desejava adquirir, uma felicidade que nunca vou ter… 
                                     Ainda me custa falar de ti mas, assustadamente, vejo que tenho aprendido a lidar com isto e, de certa forma, aprendi que se aprende com tudo que a vida nos dá, e hoje devo o meu presente a ti, que lutas para que o presente seja bom para mim e para ti… Devo-to a ti que nunca me irás deixar, que nunca me deixaste.
Sei que te tenho do meu lado, não da mesma forma que o resto do mundo, mas da forma que nunca ninguém vai entender, da forma que só eu entendo, que só eu sinto, que só eu tenho.
Eu permiti que tu voasses, mas não permiti que da minha vida fosses embora sem me prometeres que dela continuarias a fazer parte.
E sabes? Sou "aquela" pessoa forte, mas aprendi a sê-lo contigo!
                                     Pois bem, mas agora… Aqui estou eu… Sentada… Não! Olhando-te impacientemente, entregando-me a ti. O meu corpo cai sobre ti mesmo. Acolhe-me, protege-me!...
                                     Ouvir cada transparência tua desfazer-se no pó que corta é como não pensar enquanto ando, como esquecer os gestos, como voltar à nascença, como quebrar a vida, como tornar-me animal. Sim, o mavioso.
Aqui vou eu, mais uma vez, entranhando a carne do meu corpo duro, escurecido pelo teu sol, no pó que corta, lentamente, sem problemas, pressinto reconforto e levanto-a sem dó, insossa, com medo que ela se abafasse pelo ar de quem já se foi, de quem se dilui no vento e consegue, somente, cantar-me ao ouvido.
                                     Aqui vejo eu… A saudade de quem nunca esqueceu, as mágoas de um receio perdido, as dores de uma doença quebrada, os odores dos cheiros mais esverdinhes, dos cheiros apodrecidos pela alfazema, aqui te vejo eu. Como se me possuísses sem saber, ocultada pelas forças de quem nunca me vai ver, ter, tocar, sentir? Aqui te vejo eu… Aqui pertenço eu. Aqui me entrego eu, desnudada, pés no vidro por esquentar, cabelos libertados pelo refrescar do vento e corpo, sim corpo, corpo sem pano, corpo desnudado, a caminho de ti, em ti, arrepiado, perdendo a cor, clareando-se, substituindo a matéria sangrenta por matéria aquosa, olhos límpidos, cada vez mais clara, transparência abarcada, sinto-me molhada, sou molhada, agora sou água, sou tu, tomaste-me parte, pertenço-te. És o meu mar e estou em ti como estás em mim!
Fazes parte dos ventos mais agradáveis que naquele mar já respirei; dás harmonia à minha força, alvitras a minha confiança e amparas-me; ladeias-me no mar que navego…
Hoje o mar está calmo, mas consegues escutar? Consegues sentir? Os dois ventos ali andam, enlaçando-se nas ondas do mar como a planejar, não fosse enigma, movendo desconsolações como quem saca um riso sem ruido ao tempo.
                                     Tu, vento que comigo a planejas o mar, deixa perder-me na tua amizade, fazendo com que o teu âmago me proteja, os teus ouvidos deixem em si hospedar as minhas palavras, a tua boca alforrie frases que despertem a felicidade à volta do nosso afeto e os teus braços se percam no alimento que os meus têm para com eles.
És ser conjugado na variedade de verbos, esvoaçando o infindável número de adjetivos e com a capacidade de ser caracterizado por uma diversidade de nomes, portanto, esquece as definições, não as obtenho, elas são como peixes no mar: embatem no vento constantemente, e colidem comigo – admito -, mas não encontro as que definem com calma a confiança da trajetória das tuas linhas…
                                     Ainda ali estás, pelo menos assim te sinto, fluindo comigo por entre a transparência do luar que já se reflete no mar, a insónia mimosa que todas as noites se delonga. O luar aproxima-se, e à medida que ele se aproxima, o temeroso alcooliza a minha alma e sabes, ele chegou, o luar deslavado acercou-se de mim, promovendo às estrelas o prémio de quebrarem o meu silêncio, escuta-me então….
Admito que as minhas costas já sangram de isto tanto chocar com os ossos saciados pela cede de cálcio, ossos esses que se escondem dentro desta minha pele forte que ultrapassa a fragilidade do tempo, e tu? Já a conseguiste suportar?
Após o pó ter-se entreposto ao meu olhar, obrigando-me a limpá-lo friamente do canto pupilar dos olhos, já consigo olhar de frente os múltiplos abraços que se erguem todos os dias por cumplicidade fraternal, os sorrisos de quem esconde atrás das costas um mistério por entregar, as lágrimas de quem a seu lado não tem os sois que se põem todos os dias para as almas que por aqui não voam, as manhãs sem a palavra reconfortante, o papel fotográfico descolorado pela metade da separação; já consigo suportar, não diria os sismos que dentro de mim ainda se criam, consolando e alimentando o desejo de te ver, de te ter, mas talvez as lendas que na caverna se ocultam, em tua doce memória.
Deixando as palavras desencontrarem-se com o meu tempo, deixando-as então por dizer, por fazer, por sentir... Olho a parede à minha frente, que não esconde a natureza morta encontrada atrás de mim, deixando-me ansiar a tua presença entre ela vindo em passos lentamente presos surpreender-me pelas costas, mas por mais que eu a anseie, a impossibilidade da tua presença é maior.
Continuo mirando o reflexo na parede, com os olhos goteados de água de vidro, mas o vidro quebrou-se… Não te vejo…

                                     Tudo o que me restava era a agonia de uma respiração vacilante vinda de um corpo pálido, inerte, e agora eu sinto saudade desse ritmo, desse ritmo aceleradamente calmo, das palpitações irregulares no meu ouvido provenientes do teu colo. Eu sinto saudades da tua voz, do teu sorriso, do teu leito que me confortava. Sorri-me agora. Sê. Age. Olha-me. Fala-me, saúda-me, beija-me, abraça-me, e porque eu nunca te dei um adeus, volta…
Tu eras o meu norte, meu sul, meu este e oeste, e por tudo te peço, recorda-me eternamente, porque nem mil palavras um dia explicarão o que me vai no coração!


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